Muito maior que a televisão de casa
Aquele em que eu levei minha filha ao cinema pela primeira vez
(Flora amassando uma pipoquinha. Eu e Zuma de olho no fundo)
"Papai, você estava certo. Essa televisão é muito maior que a nossa". Isso foi o que minha filha disse, após entrar em uma sala de cinema pela primeira vez. Ela estava com os olhinhos brilhando de empolgação de ver tanta coisa que parecia magia, acontecendo uma após a outra.
Eu estava vibrando por dentro. Estava levando minha filha em uma experiência que significava tanto pra mim. Mas lutávamos arduamente, tanto eu quando a
, para tentar não projetar nossa própria vontade na Flora. É muito importante pra gente deixar que ela descubra o mundo ao seu modo. Talvez só assim houvesse uma chance daquilo se tornar uma memória tão forte quanto a minha primeira ida ao cinema tinha sido.Eu tinha 5 anos e o filme foi "O Rei Leão". Foi num cinema de rua que existia bem no centro do bairro onde cresci, perto de um terminal rodoviário. Era um prédio velho, com uma arquitetura-chique-anos-70, cheio de veludo, de tapetes e com um pé direito altíssimo.
Entre as escadas que haviam para chegar na entrada das salas, um verdadeiro altar para guloseimas com muita pipoca e doces. No olhar de uma criança aquilo era a coisa mais luxuosa que já tinha experenciado. Era mais que mágico, parecia um lugar religioso.
Ao entrar na sala de cinema, as luzes se apagaram e veio aquela abertura impactante, com o Sol nascendo e os animais aparecendo pela savana africana. Aquele foi um dos momentos que mudaram a minha vida. Essa é uma coisa que acho que só notei quase 15 anos depois, no curso de cinema na UFF. Fazia uma matéria sobre animação e falamos exatamente dessa cena de abertura em uma das aulas. Naquele dia entendi que ela foi o que começou tudo pra mim.
Apesar dessa paixão do parágrafo anterior, eu falo muito por aí que sou um traidor do audiovisual. Fiz um mini-estágio numa produtora, tive um site de cinema por um tempo e fiz alguns curtas. Mas naquele momento, nada disso era algo pra mim. Tenho muita vontade de um dia voltar a fazer algo com essa minha formação, mas a vida me levou para trabalhar com música e fiquei só com o áudio e fui levando desde então.
Uma vez na terapia, me foi sugerido que eu fujo de lidar profissionalmente com o cinema para que a magia que sinto não suma como sumiu pela música. Pode até ser. Por um bom tempo, escondia muito de quem era - tanto para mim mesmo, quanto para minha família e amigos -, mas foi no cinema que encontrei um porto e uma sensação de identidade.
Era como gastava dinheiro. Tentava ir pelo menos duas vezes ao mês, quando dava ia bem mais. Era cliente constante de locadora e frequentador de cineclube. Tive uma coleção recheada de DVDs impulsionada por banquinhas de promoção de lojas de departamentos. Quando descobri que dava pra baixar filmes, foi uma perdição e um aprendizado: conheci os clássicos, mergulhei na vontade de aprender mais. Sinto que fiz a faculdade só pelo aprendizado mesmo, não pelo diploma. Eu queria estar ali escondidinho vendo os segredos de trás das câmeras, no escurinho de uma sala que remetesse à magia desse santuário da minha infância.
Além disso, eu morei em cima de uma cinema por uns anos. Via muitas sessões aleatórias nos dias mais baratos, gostava as vezes só de passear pelo lobby de entrada, ver os pôsteres, o movimento. Ver a carinha das pessoas na fila e as emoções ao sair da sala.
Tudo isso - de memórias e sensações - já vem embutido em mim quando penso em ver um filme. É parte da experiência. Mas essa é a minha. É a magia que se originou em um ritual. E eu sempre tive muito medo de acabar - por engano - impondo minhas expectativas na minha filha e não respeitar as dela. Não só sobre cinema, mas sobre música, sobre carreiras, vontades. Flora é uma menina tão especial e com uma personalidade tão forte que cada dia mais quero que ela descubra tudo ao seu modo.
Tentamos só "facilitar" o caminho: 1 - Escolhemos um cinema baratinho - caso ela não gostasse e ficasse pouco tempo, não ficaríamos bravos pelo dinheiro gasto "à toa"; 2 - numa galeria e não num shopping, para ter menos estímulos em uma fase da vida que foco ainda não tá tão desenvolvido; e 3 - num domingo, com a maioria das lojas fechadas e atenção voltada só pro filme.
E deixamos ela nos guiar sobre como ia ser a experiência. Flora já tinha dado sinais que seria possível. Quando ela passou a fase de poder ter o que chamam de “tempo de tela”, eu decidi mostrar um filme que amo, pensando em apresentar uns trechinhos. E ela ficou tão envolvida e fascinada que viu tudo de uma vez só e ainda repetiu uns dias depois. Foi mágico poder apresentar uma das obras que mais amo, "Meu Vizinho Totoro", como primeiro filme dela.
Sabíamos que Flora, se envolvida com a história, poderia ficar empolgada. E bem, como acho que boa parte das crianças de três anos no mundo, ela é completamente envolvida com a Patrulha Canina. Já tinha visto o primeiro filme mil vezes e quando vimos que teria a continuação, eu e a Nath pensamos que era a oportunidade perfeita.
Fizemos alguns combinados com ela: que não daria pra ficar andando pelo cinema como faz em casa vendo desenho; que não daria pra acender a luz (mas que se ela ficasse com medo, poderíamos ir embora) e nem mudar de canal ou desenho. E pra compensar essas coisas que poderiam soar negativas, falei que o cinema tinha uma televisão muito maior que a da nossa casa e que ia parecer mágica de tão grande. E que lá no cinema tinha uma máquina que fazia as melhores pipocas do mundo.
E lá fomos nós três (junto de uma pelúcia de um filhote da Patrulha Canina). Levantei ela pra que ela visse a pipoca caindo daquela pipoqueira gigante, mostrei a sala grande com a tela enorme (que a espantou) e colocamos ela junto do seu filhote favorito e de uma pipoca.
Os olhinhos dela brilhavam. Ela interagia com o filme, riu muito e ficou com a atenção colada na aventura que passava na tela.
Nos dias seguintes, Flora falou tanto do cinema e da experiência que contou o filme pra mim e pra todos em volta. Até já voltou para rever com uma amiguinha da escola, em um outro cinema da cidade. Além de me cobrar quando vamos de novo na sala com televisão grande e pipoca que cai.
Dias atrás, aproveitei a ida da Nath para participar do festival Falando de Música no Caixa Cultural para ir com ela ver a magnífica Silvana Estrada no Rio. Essa mexicana baixinha chegou ao palco somente com sua viola, um teclado e uma voz inacreditável. Sua música bebe dos temas folclóricos do México para construir uma América Latina feminina e impactante. Eu, como ouvinte, era envolto pelas melodias e pela voz dela. Mas ao vivo, a figura dela como autora se impõe e as letras ficam ainda mais fortes. A sensação era de ser uma das mulheres ouvindo no vídeo da incrível "Se Me Matan".
Saí do show com aquela sensação maravilhosa de:
Deixo aqui algumas coisas lindas que ela já criou, incluindo duas versões incríveis.
No começo do meu namoro, a Nath ficou indignada que eu não curtia séries, só filmes. Em um dos nossos primeiros encontros, ela fez muita pipoca, pegou todos os boxes de Friends e me mostrou uns 10 episódios selecionados. Depois que viu que eu tinha gostado, sugeriu vermos tudo junto. Foi uma das primeiras grandes coisas que fizemos: incluir seis pessoas no nosso círculo de amizade. Por isso, sentimos bastante a morte do Matthew Perry. Além de melhor personagem do núcleo principal, ele foi um cara que passou por coisas ruins na vida e parecia em paz nos últimos tempos. Uma pena mesmo. Mas muito bonito ver quantas pessoas, em todo lugar do mundo, tinha ele como um amigo como a gente tinha.
Dia 03, próxima sexta, será comemorado o Dia do Tokusatsu, celebrando o aniversário do clássico “Godzilla” de 1954. Essa técnica de criação audiovisual live action japonesa, com seus monstros, robôs, heróis e explosões é uma das coisas que mais amo no mundo. Foi algo muito marcante para uma geração mais velha que eu, com Jaspion e Changeman, mas me pegou com os Ultraman e as versões ocidentais refletidas nos Power Rangers.
Sempre me falavam "mas você gosta dessa coisa mal feita?" e eu argumentava "repara além disso, repara no texto". Tem muita história incrível, muita metáfora poderosa e muita coisa inovadora em criação de efeitos especiais, principalmente nas séries dos anos 60 e 70. Isso é algo que se repete em outras séries ocidentais como Doctor Who, Star Trek ou até Chaves e Chapolin, todas que amo e com roteiros brilhantes. Se você não conhece ou tem algum preconceito, eu indico esse vídeo do ótimo Entre Planos que explica um pouco da magia e dá ótimas dicas para começar.
Que primeira vez de respeito a Florzinha teve no cinema, hein! Fico feliz que ela amou a experiência, e anotei as dicas pra quando for minha vez de levar a afilhada no cinema.
Meu primeiro filme também foi O rei leão ❤️
Também senti muito a morte do eterno Chandler. Era o meu preferido 😢