Tem um meme que de vez em quando eu vejo pelo Instagram e TikTok. Alguém na vida adulta vê algo, ouve algo e imediatamente a leva para outro lugar, muito melhor e mais calmo. Isso seguido de variações da frase “quando o millenial volta à programação de fábrica”. Em geral, o que leva as pessoas para esse lugar de calma é a arte. Mas no meu caso, tipo o pagliacci da piada, eu não tenho mais esse circo pra ir. O que me tirou a paz, fez basicamente envenando esse lugar calmo para onde fugia.
Ah, sim. Eu vou agora dar uma desabafadinha de leve aqui e que vai explicar um tanto do meu sumiço da newsletter nos últimos meses.
Uns meses atrás eu tive um burnout seguido de algumas complicações de saúde. Era uma bomba-relógio que eu sabia que um dia ia explodir, mas ia empurrando com a barriga achando que daria mais tempo e quando rolasse não seria tão ruim.
Eu tenho uma empresa de assessoria de imprensa que faz comunicação de artistas. Fundei com a
10 anos atrás e sinto que ela já se misturou com minha vida e muito da minha personalidade. E aí que está o problema: eu acho que nunca quis fazer exatamente o que eu faço.Eu tinha meus projetos de literatura e estudava cinema, mas por causa de algo que fiz para o meu livro “Tristes Camelos”, em 2009, fui parar em uma gravadora. Era um limbo na época, pois ninguém sabia muito bem o futuro do mercado fonográfico. Olhando no retrovisor, ouso falar que cheguei para trabalhar no fundo do poço do mercado e que tudo só melhorou depois.
Isso foi bem empolgante, vi o processo criativo de diversos artistas e conheci muita gente impressionante. E era legal ver pessoas que eu admirava interessadas em saber a minha opinião sobre os caminhos para a obra da vida deles. Aquilo me inspirava e sentia que fazia uma diferença sendo eu mesmo: o moleque do subúrbio que achava que ser legal com os outros poderia ser um diferencial.
Mas aquilo era uma fachada, que eu conseguia manter firme e guardar a minha depressão - que estava também no seu ponto mais fundo do poço - meio escondida de todos.
Mas com o passar dos meses, com um fluxo mais intenso de trabalhos, de necessidades novas, de infinitas crises eu começava a notar que eu não estava mais sendo nem mesmo essa fachada. Eu tentava criar uma pose para parecer legal, para ser mais interessante e para ser mais como as pessoas do meu entorno. Isso foi bem no período que estava saindo da empresa em que trabalhava e comecei a trabalhar como freelancer para outras gravadoras. Passar por todas as grandes gravadoras me levou a um ponto: eu passei a odiar música.
Eu só via como um produto. Como um trabalho.
O único alento na época foi um trabalho que fiz com o Cícero, um amigo de Zona Oeste. Ele tinha uma trajetória de vida com várias similaridades com a minha e trabalhar com ele com tanto afinco para criar o projeto que foi a semente da carreira dele, com o álbum “Canções de Apartamento” e o clipe “Tempo de Pipa” me trouxeram de volta algum gosto.
Mas eu ainda não gostava de música. Eu gostava da criação.
E eu queria criar mais. Sinto que esse espírito que surgiu quando abri a empresa com a Nath. Ela tem um espírito criativo incrível (é só olhar os projetos dela e a newsletter dela) e foi ela que me fez gostar de música de novo.
Nesses 10 anos de empresa, todos os projetos que eu mais me orgulho foram assim. Bandas que participei intensamente, que criei junto. Que me doei. E que coloquei muito de mim. E aqui está o outro problema.
Quando seu trabalho se torna sua identidade e o fruto do seu trabalho algo pessoal seu, qualquer problema no seu emprego vira um ataque a você. Eu não saberia contar quantas noites fui dormir chorando pois cometi algum erro, alguns que os clientes nem perceberam… mas que eu percebi.
Nos últimos anos, com a Flora nascendo, muito mudou na nossa dinâmica de trabalho e vida. Não vou falar muito pois sinto que já falei sobre e porque né… é uma criança que nasceu em meio a uma pandemia num país caótico. Você já entendeu né?
Vou deixar até uns links: aqui, aqui, aqui e aqui.
E no meio disso, começaram a surgir alguns reflexos daquele primeiro momento em que fui deixando de ser “eu mesmo”. Dessa vez em uma mistura de falta de tempo com um excesso de trabalho inesperado (Nath havia saído da empresa por ter tido um burnout em pleno puerpério e eu prefiro ela como minha amiga e parceira do que como sócia) e pressão externa, pois ouvi múltiplas vezes que por ser “bonzinho demais” eu não estava fazendo meu trabalho corretamente. E como já contei nessa terapiazinha via e-mail: eu tinha transformado minha personalidade no meu trabalho e o resultado dele em determinante pra minha felicidade.
Assim fui parar no hospital.
No dia seguinte, decidi que era hora de mudar drasticamente. Se não por mim, pela Flora pelo menos. Ela merecia ter um pai inteiro e não o caco que eu era (e ainda sou, mas em processo de restauração). Eu me demiti ou pedi desligamento de vários projetos que estavam exigindo demais do meu tempo, da minha saúde mental ou de ambos. Estou aos poucos me cercando de pessoas com quem tenho uma relação parecida com que tinha com o Cícero, tantos anos atrás: de criação, de afeto.
Criar e acompanhar pessoas queridas - muitas que chamo de amigo sem forçar a barra - é o que tem me feito voltar a ser melhor. Mesmo que sim, tenha tido um impacto financeiro. Mas isso realmente não pode ser tudo na vida, principalmente se você está sacrificando a sua vida no processo.
Eu vejo muitas pessoas entrando na indústria criativa - seja na música, como eu; ou no cinema, na literatura, na moda - e sendo esmagadas pois entram como uma paixão, como o lugar que os molda e os guia e veem esse porto se perdendo pelo modo tóxico como todo o meio criativo é guiado, dirigido pelo ego e insegurança.
Eu fiz esse post aqui para explicar o motivo de ter parado de escrever e pra alertar exatamente isso: o que me machucou fisicamente e emocionalmente também acabou me impedindo de criar algo meu, o que me gerava uma frustração imensa.
Eu fiz uma nota que mora fixada no meu Google Keep, para de vez em quando ver quando tudo dá errado e acho que pode ser efetiva para alguém aí do outro lado. É uma nota intitulada “Para ler quando estiver mal”:
Seu trabalho não te define.
A empresa não te define.
Você é muito maior que isso.
Não deixe de escrever.
Não deixe de criar.
Não deixe de planejar.
Não deixe de aprender.
Não deixe de se desafiar.
Em breve uma nova fase vai iniciar.
Essa noite vai passar.
Você vai sair do fundo do poço.
Acredite mais em você.
Nos últimos tempos, a vida e a obra de Lygia Pape tem me inspirado muito. Talvez até perseguindo. Sempre fui fascinado pela obra dela ao ver em exposições no MAM e no Centro de Arte Helio Oiticica. No fim do ano passado, ao passar pelo ótimo Museu do Açude para fazer fotos para o meu “Em Glória ou em Ruína” com o Pedro Freitas, ficamos fascinamos pela obra “New House”, seu último trabalho e que virou parte da capa do EP.
Uns meses atrás achei em um sebo a edição da Lygia da série Palavra do Artista, editada exatamente pelo Centro de Cultura Helio Oiticica em parceria com a Secretaria Municipal de Cultura do Rio. É um papo franco e bem intimista dela com Lúcia Carneiro e Ileana Pradilla que tem servido para expandir muito da minha cabeça.
Se você não conhece a obra da Lygia, eu indico dar uma olhada no vídeo da ViviEuVi, uma das melhores criadoras de conteúdo desse país:
Escrevi esse texto reouvindo a
. Ela é uma cantora neozelandesa que você talvez conheça pelo hit que ela fez feat mas que tem uma obra bem consistente de um pop experimental bem poético e sincero. Eu entrevistei ela acho que umas três vezes, duas em lançamentos de disco e uma durante uma passagem dela pelo Brasil, e ela sempre me transmitiu uma verdade e muita alma no que ela faz. Recentemente descobrir o Substack dela e estou fascinado em notar que o que ela transmitiu pra mim naquela entrevista era realmente real.Vou deixar aqui dois posts incríveis dela:
E duas músicas dela que amo:
E se você chegou até aqui, só queria agradecer. Foi um parto escrever isso pois é sempre difícil não se esconder nas máscaras que escolhemos usar. Vou tentar manter uma periodicidade legal pra newsletter. Então se você gostou, passe adiante. Se você passa por uma situação parecida, comente aí. Sei que falar nem sempre ajuda a resolver, mas se sentir sozinho com seus demônios também não.
acabei de conhecer seu trampo por um like que apareceu aqui no feed e, pô, que trampo daora. já anotei aqui pra assistir o Keep Your Hands Off Eizouken.
e já copiei a nota no meu keep também. tenho banda, escrevia, parei, voltei a escrever agora e é fueda. precisa tirar energia de onde dá, mas vamos que vamos!
parabéns pelo trampo e se tiver sem fazer nada vem dar um confere no meu =)
Abraço!
Eu conheço essa dor aí muito bem. Que bom que você tá em movimento, pra essa próxima fase chegar logo. Vamos juntos?