No dia em que esse e-mail chega na sua caixa de entrada, é aniversário da
. Se um dia fosse, sei lá, imperador do universo: seria feriado. Eu me apaixonei por ela antes de a conhecer, quis viver ao lado dela ao vê-la pela primeira vez e tive certeza de estar completo depois do primeiro beijo.Mas o motivo que ela é incrível é muito anterior a isso. Ela nasceu numa cidade pequena, mas ao crescer notou que a cidade ainda não tinha nascido nela. Ela então passou a olhar pro mundo de fora. Para outros lugares, outras línguas, outra histórias, buscando seu lugar sem conseguir sair da pequena cidade no interior de Minas. E ela consumia livros, filmes, séries. Ela criava no meio daquela cidade o seu próprio mundo.
Quando aquele mundo se partiu, ela veio para Petrópolis. Criou nova vida, continuou criando novos mundos, seu mundo. Naquele 16 de abril de 2013, na Rua do Lavradio, no Centro do Rio, ela se marcou como tatuagem na minha mente. Fomos bem turistas, eu aproveitando que ela não conheci direito a cidade. Fomos na Colombo e no Real Gabinete. Foi onde fiz as duas fotos desse post. Fico feliz de tê-las pois o que me lembro é a sensação, o cheiro dela. O sorriso. Os detalhes e o entorno sumiram. Só ficou ela, e seu vestido rosa, no lugar onde combinamos nos encontrar.
Desde o dia um, desde essas imagens, ela é a única imagem. Já escrevi muito sobre ela nesses últimos 10 anos, vou selecionar alguns aqui, sem uma ordem cronológica, alguns inéditos, alguns que foram se transformando e vão se tornar outra coisa. Mas todos ela.
Tudo que sinto
Furacões nos olhos dela
Vento corrente
Flores amarelas girando
nos furacões
tornados
tempestades nos olhos dela
Diziam que não iria longe
imagine, imagine
só lembro dos furacões nos olhos dela
Milongas
a rua em obras pouco lembrava
o que a internet mostrava.
na calçada, em pedras europeias,
um organograma de passos básicos de tango.
a mulher girava seu vestido
bidimensional
com o homem achatado sobre nossos pés.
era um manual
deixado por aqueles que um dia
criaram a argentina mítica e clichê.
nos envergonhava acreditar que aquilo existiria.
aqueles desenhos no chão eram detalhes
para que exploradores
que descobrissem aquela região
em uma caverna submersa
milhares de anos no futuro
pudessem entender que o ser humano
sempre
sempre
se comunicou por gestos.
ela carregava uma leve decepção nos olhos.
pergunto se quer voltar pro hotel.
“ainda podemos sonhar algo ali dentro”, ela diz.
os olhos dela brilham uma luz forte.
um universo novo que muda sempre.
planetas e estrelas ainda sem nome.
ao entrar na milonga
a imaginação criava épocas passadas.
todos passeavam pelos corredores de paredes altas
enegrecidos espelhos velhos
manchas de tempo.
pulavam das paredes
das fotos de um passado glorioso
políticos,
estrelas do cinema,
da música.
escritores e sobrenomes importantes
todos pelos salões vazios.
o mesmo chão iluminado
brilhante
para que os pés
esquecidos de dançar
se lembrassem
da vida real
de onde surgiu um garçom.
olhos voltados na tv do outro lado da casa
que sem som passa um reprise de um jogo qualquer
pedimos café con leche e medialunas.
algo sem erro
para tentar buscar no que era certo
aquele passado que a ficção nos havia vendido.
a mesa ao lado era a única ocupada na casa além da nossa.
era um grupo de dez idosos
que levantavam taças de vinho em silêncio.
olhares cansados
cumplicidade do tempo.
vestiam roupas formais
como que preparados para uma festa,
para um funeral.
acima de nós,
no salão superior,
a orquestra ensaiava seus primeiros acordes.
o piano caía forte sobre o acordeom.
as notas saíam dos instrumentos
escorriam pela escada
pairando sobre o chão
junto de todos os convidados imaginários.
dançando em volta de nossa mesa,
dezenas de centenas de fantasmas,
amores passados
se admiraram de ver
o quanto amo os olhos brilhantes
a boca
o sorriso
o som da risada dela
o quanto amo o corpo daquela mulher.
toda vez que procuramos um passado diferente
num desespero
por só termos nos conhecido
depois de tanta procura,
encontramos futuro.
os dançarinos de outros tempos,
os idosos de todos os tempos,
o garçom interessado no jogo de ontem
as estrelas das fotos nas paredes,
os dançarinos de pedra no organograma no chão.
todos surpreendiam-se com os discursos
que queria poder falar.
tudo que digo é que estão ensaiando,
que chegamos cedo.
ela concorda,
olhos cansados de caminhada pela cidade.
acabamos nosso café,
pedimos a conta para o garçom,
vagamos pelo pôr do sol.
os fantasmas nos seguiam
suspirando
lembranças de um passado que um dia viveríamos.
jesus na serra
Apareça pra mim, Jesus guardião esquecido de um Império imaginário
Saia do meio da névoa e apareça para mim mais uma vez
ó, Jesus esquecido na subida na serra
guardando um mirante pouco notado após uma curva fechada
olhando o resto do estado e tão longe de onde proteges
por isso esqueceram de você, Jesus?
apareça pra mim, depois de sua curva, como na primeira vez
você apareceu para mim como num sonho
eu era um menino e era a primeira vez que eu subia a serra
estava com meus pais.
Tínhamos ido buscar produtos baratos pra depois voltar para casa
paramos para te ver
toquei sua base e você me amaldiçoou
fui obrigado a voltar e voltar e voltar por isso
apareça então
Jesus esquecido na subida da serra
entre luzes de velas que brilham no meio da névoa
como pontos de oração que finalmente chegaram aos céus
abra novamente o caminho da serra
me faça menino de novo
como da vez que fui encontrá-la
me esperando na rodoviária
como se fosse a primeira vez.
abra os meus caminhos, proteja-me nos seus braços
me leve pra casa, Jesus esquecido na subida da serra
Dezesseis de Fevereiro
um dia ela vai acordar
e vai ver que escreveu todas as palavras a sua volta
todos os livros são da mente dela
todos os filmes são dos olhos dela
todas as fotos são dos dedos dela formando um quadro
ela vai olhar pela janela e ver o universo diferente
todas as galáxias e mundos que pode criar brilharão ao mesmo tempo
com múltiplos sóis no céu.
todos os personagens que pode criar estarão a volta dela
todos os discursos de prêmios e mostras em homenagem a sua gloriosa carreira
minha autora predileta, minha cineasta inspiração
paixão de todos os segundos
um dia ela vai acordar.
Canto de Petrópolis
Minha voz acorda o vento, avisa a cidade depois de mim: para lá não, não volto, pro mar não volto mais!
Meus pais acordam a manhã, avisam do dia que vai chegar, precisam me ver rezar: pra lá não volto mais.
Vestido de névoa, o vento chegou. Como borracha, o vento passou. Hora de pensar tudo de novo. Avisa a cidade.
Minha vergonha habita o Rio, das mentiras que fiz dia. Hoje falo sem ter existido. Aquele não volta mais. Meu amor surge no Lavradio, levando pela montanha, me limpando e não volto: para lá não volto mais.
vestida de rosa, Nathália chega. Como borracha, passou. Abraçando a noite, aquecendo a manhã. Avisa a cidade, avisa a cidade: sob a minha falha memória, sob os cabelos brancos num feitiço forte de sereia de rio. Sei que um dia tenho o que sobrar. Avisa o vento: tudo passa, até o mar, Nathália não passará.
Amo como você me olha. Privilégio enorme ser sua musa todos esses anos <3