Vi ontem no cinema “Suzume”, novo filme de Makoto Shinkai (de “Your Name”). Essa é uma animação belíssima que tem vários segredos e momentos especiais que acho que quanto menos você souber do filme, melhor. (Inclusive, não indico ver o trailer pois algumas cenas importantes estão desnecessariamente por lá).
Mas uma das coisas que posso adiantar, sem estragar a experiência de ninguém, é o quão impactante o modo como a magia presente na história está diretamente ligada à memória. Não as que temos mas aquelas que construímos a partir dos lugares que habitamos e das “impressões” que deixamos ali quando não estamos mais. No caso do filme, são muitas ruínas bem urbanas - de coisas condenadas após desabamentos ou simplesmente abandonadas. E a força das histórias e memórias que não são mais vividas são mostradas no filme, o que me emocionou intensamente.
O lugar em Petrópolis onde moro atualmente é bem próximo de alguns dos pontos mais atingidos pela tragédia de um pouco mais de um ano atrás. Eu vi aqueles lugares antes de tudo que aconteceu, eu vi no dia seguinte ainda com as ruas repletas de lama e vejo diariamente me locomovendo pela cidade.
Nos primeiros dias, os pontos de desabamento pareciam feridas abertas cortadas no meio da cidade, com uma lama muito escura como sangue. No meio de toda a lama, se via entulhos, tijolos quebrados e vergalhões retorcidos onde deveria estar o lar de alguém, toda a história de alguma pessoa. Hoje, mais de um ano depois, muitos desses pontos estão encobertos por mato e muitos que passam ali, principalmente turistas pela cidade, nem devem notar as cicatrizes ainda expostas.
Mas sempre que vejo aqueles pontos, sou transportado. Lembro do som que o morro fez ao descer, lembro da lama, do barulho dos helicópteros de resgate, das conversas que tive com as pessoas no dia seguinte, cada um com alguma memória muito pessoal de alguém que tinha se perdido.
Esse modo quase de maldição com que a memória nos carrega para momentos traumáticos foi um dos pontos mais fortes para me conectar diretamente com a magia que surge em “Suzume”, muito ligada aos terremotos e tsunamis que assolam o Japão.
É uma representação sutil e bela das marcas que a sociedade carrega das tragédias mas que precisamos aprender a ignorar pra seguir vivendo. Isso já faz desse um dos filmes mais bonitos que passaram pelos cinemas esse ano.
Vale correr atrás.